sexta-feira, 17 de julho de 2009

Ela, bela.

Entre outras coisas, fui condenado a conviver com um cena deplorável.
Todos os dias, na rotina de trabalho, na fila do onibus, sob a ponte da cidade universitária, lá está ela.
Curvada, sempre arrastando um cobertor nas costas, como uma capa de super herói. Tem a pele negra, cabelos curtos, aparenta ter não mais que 30 anos. Seu comportamento é o retrato do cotidiano caótico e desesperado de um trabalhador de fábrica. Anda apressadamente de um lado a outro, esbarrando nas pessoas, recolhendo qualquer bituca de cigarro que encontra no caminho circunflexo.
Ela sempre está lá, arrastando aquele cobertor velho pelas sarjetas molhadas de água e urina de rato.
Seu andar curvado projeta seu rosto para o chão, e num dia de chuva, sua silhueta assemelha-se a um diabo rejeitado errante caminhando no silêncio do inferno.
Eu nunca pude ver seu semblante, mas certa vez, num olhar de soslaio, ela me encarou e, então, pude ver seus olhos. Quase gritei. Foi o olhar mais doloroso que vi.
Desviei o olhar e vi coisa pior. Centenas de pessoas penduradas em celulares, mastigando sanduíches, rindo feito hienas. Desviei novamente, vi um estouro de manada de carros e caminhões que produziam um barulho enssurdecedor. Pra onde quer que olhava, camarada capitão, só dor.
E ela continuava lá, no meio do furacão. O que será que ela pensa? Pensa? O que será que ela espera? Espera? O que será que vê? Vê? O que será que ela sente? Sente?
Aquela mulher produz tanta compaixão quanto um cão abandonado. Milhares de pessoas passam por ela todos os dias, inclusive eu, mas agora ela é invisível.
É isso que o mundo é, alguém tem que sofrer para que outro possa sorrir.
Eu procuro o horizonte, mas meus olhos nao escapam a ela, bela, mas agora é frágil e suja e não causa tanto interesse assim.

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